A Pen Chinesa

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Sabiam que, se falarem aos alunos da E.S.T.M., no Professor João Correia, 90% das vezes ouvirão a resposta “Ah, o Prussor da pen chinesa!”…

Aqui fica um excerto do “Tubarões Voadores” que explica essa resposta misteriosa

Já agora, essa obra ímpar do empreendedorismo e desenrascanço está disponível nas livrarias FNAC, Bertrand, e afins, mas também através de um simples email para este vosso criado, que até escrevinha um autógrafo catita, e tudo!


A Pen Chinesa

O próximo episódio leva-nos a Shanghai, no final de 2008, por ocasião da minha ida com o Zé Graça e respectivas companheiras ao International Aquarium Congress, o tal onde a operação Turkish Charter Delight começou a tomar forma, entre gin-tónicos com o Gerhard e Dilek. A dada altura o grupo decidiu ‘ir às compras’, prática que abomino visceralmente. Aliás, já que este capítulo aparentemente se dedica à muy nobre arte de embaraçar o autor, mais vale admitir que o meu asco por compras significa, na prática, que as meias, boxers, calças, camisas, camisolas, t-shirts e casacos que habitam nas minhas gavetas e armários chegaram lá através da boa vontade da minha fantástica mãe e parceiras que me acompanharam ao longo da vida. Este facto explicará a total ausência de qualquer sentido de estilo no guarda-roupa deste vosso criado, que oscila entre bétinho, desportivo, clássico, casual e metrossexual, de forma mais ou menos esquizofrénica, consoante a natureza da menina que, a dada altura, me presenteou com novos artigos para a minha eclética colecção.

Regressemos a Shanghai, onde fui arrastado para becos escuros com excelentes ‘oportunidades’, que eu olhava com desdém, sentindo-me superior pela minha aparente aptidão em resistir a qualquer influência de marketing exterior. Até os meus olhos se cruzarem com… uma fabulosa pen de duzentos e cinquenta e seis gigabytes!! A minha primeira reacção foi “Não é possível!!” porque, afinal, a minha pen tinha 8 Gb e custou uns belos 79,99 euros na FNAC. ‘256’ parecia-me um número absurdo e inatingível em tão curto espaço de tempo, apesar da velocidade meteórica com que estes equipamentos estavam a aumentar de capacidade nessa altura. Travei o diálogo ‘possível’ com o meu interlocutor, que era tão proficiente em inglês como eu em mandarim, pelo que lá decidi arriscar os quinze ou vinte euros que custava e trouxe o maldito objecto, esperançoso que o logotipo da Sony fosse genuíno.

Experimentei-a assim que cheguei ao maravilhoso quarto do sumptuoso Holiday Inn de Pudong e foi com enorme surpresa que vi ‘256’ gigabytes escritos no écran do portátil quando observei as propriedades do equipamento. Copiei alguns ficheiros para a maravilhosa pen chinesa, abri-os, fechei-os, mudei-os de pasta, mudei-lhes o nome e, por mais que puxasse pela máquina, passava todos os testes com distinção. E assim foi que dias depois, já em Lisboa, copiei tudo o que tinha no meu computador desktop para dentro deste pequeno objecto do tamanho de um polegar, que albergava toda a minha vida, incluindo o doutoramento que estava a acabar de escrever, ficheirada Flying Sharks, imagens e contas Alalunga, três anos de aulas e notas, vinte anos de ficheiros pessoais e APECE, incluindo toda a organização da reunião científica anual da European Elasmobranch Association, que a ‘Associação Tubarão’ iria acolher dentro de poucos dias

Uns dias mais tarde, em Peniche, terminei uma aula de Tecnologias de Pesca invulgarmente cedo. Ao ver que eram sete e meia da tarde, quando a aula deveria prolongar-se até às oito, disse aos alunos que lhes mostraria umas imagens do antigo colega Filipe Silva, que tinha embarcado num palangreiro e recolhido deslumbrantes imagens de tubarões, espadartes, golfinhos e tartarugas. Sentado na minha secretária, virado para os alunos, inseri a pen chinesa no computador e percorri as várias pastas enquanto o projector partilhava o écran com os alunos, na parede por trás de mim. Chegando à pasta ‘Filipe Silva’, deparei-me com zero conteúdo, para grande gáudio da turma, particularmente dos rapazes, que se riram quando disse que tinha comprado uma pen de 256 gigas na China.

“Ó prussor, foi enganado! Não há pens de 256 gigas! O máximo é 16. Quando muito 32, mas isso só na NASA!” gozavam comigo, perante a pasta ‘Filipe Silva’ completamente vazia projectada na parede… Desculpei-me e expliquei que estava careca de abrir ficheiros, mudá-los de um lado para o outro e a extraordinária pen de 256 gigas nunca me tinha falhado na sua jovem existência. Demonstrei a veracidade das minhas afirmações mostrando-lhes ficheiros Word, Excel, Powerpoint em outras pastas e abrindo-os, fechando, alterando, sem qualquer dificuldade, até o Luís Antunes, aluno de Setúbal, exclamar do fundo da sala: “Prussor, isso é um problema qualquer com as imagens… Já viu que aparecem todos os ficheiros menos os jpg? Porque é que não faz uma busca por imagens?”
“Ó Luís, isso é que é uma grande ideia!…” agradeci eu, já a escrever “*.jpg” no motor de busca do Windows XP, lançando o pequeno cãozinho, ou clip saltitão, numa busca desenfreada por imagens ao longo dos duzentos e cinquenta e motherfucking seis gigabytes da minha pen chinesa… Enquanto conversávamos, o cãozinho do Windows ia atirando com os mosaicos que ia encontrando para o lado direito do écran, que rapidamente ficou repleto de…

…silêncio total na sala. Só se ouviam as ventoinhas dos computadores e o zumbir das lâmpadas fluorescentes…

…enquanto uns trintas alunos, estupefactos com o conteúdo projectado na parede, se apercebiam da natureza íntima do dito.

O silêncio sepulcral – ocorrência rara numa aula – alertou-me e fez-me vislumbrar o écran, mesmo a tempo de fechar apressadamente a janela…

…mas não fui a tempo. O mal estava feito e a imagem de várias dezenas de mosaicos profundamente marotos ficará gravada na retina de duas dúzias de jovens biólogos e biólogas marinhos e marinhas.

Até hoje, nunca entendi a cem por cento o que aconteceu, para além do facto óbvio de as imagens do Filipe Silva não estarem disponíveis na pen chinesa, mas vinte anos de arquivos gráficos em matéria fetichista, sim. Pedi desculpas embaraçadas à turma, perante o olhar catatónico das alunas e risos cúmplices dos cavalheiros, que se apressaram a ir em meu auxílio com salvadores “Ó prussor, não se preocupe que toda a gente tem uma pasta macaca lá em casa… Ainda ontem estive a artilhar a minha com material novo…” Ah, abençoados rapazes, que saltamos sempre estoicamente em salvação uns dos outros… “Sim, Cristina, eu estive com o teu Carlos a mamar imperiais até às dez da noite, onde querias que ele estivesse?”

Na manhã seguinte, e recordemos que o Facebook teria meia dúzia de utilizadores em Portugal no final de 2008, estacionei o meu Golf no parque da ESTM e, nervosíssimo, ainda a tremer à conta dos acontecimentos da noite anterior, caminhei timidamente para o interior do edifício, esperando fervorosamente que o impacto do que os alunos tinham vislumbrado não tivesse saído da sala de aula. Passou então por mim um aluno de outra turma. De outro ano. Aliás, de outro curso… “Ei, prussor, já sei que a pen chinesa tem material do caraças!…”


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