Um tema delicado…
No passado outubro tive o privilégio de ser um dos oradores convidados para a edição deste ano das Diving Talks, o evento nacional mais prestigiado sobre mergulho profissional.
Quando recebi o convite soube imediatamente sobre o que ia falar: o papel que os aquários públicos desempenham na conservação do ambiente marinho.
Sejamos pragmáticos, o que leva um caixa d’óculos que adora tubarões – e os estuda há 30 anos – a metê-los em cativeiro?
Recordemos que o sonho do dito caixa d’óculos era ser o “Mr. Hooper”, o personagem do Jaws que é cientista e especialista em tubarões.
Dei essa resposta à Ana Daniela Soares quando teve a amabilidade de me entrevistar no programa ‘Todas as Palavras‘ (a partir do minuto 7’) em 2019, por ocasião do lançamento do ‘Tubarões Voadores’.
E voltei a responder (em inglês) a essa questão na palestra que dei nas Diving Talks, ‘When Divers become Collectors and/or Veterinarians‘.
E não esqueçamos que já a tinha respondido quando escrevi o capítulo ‘Marine Animals and Human Care Toward Effective Conservation of the Marine Environment‘ para a Encyclopedia of the UN Sustainable Development Goals.
Mas eu bem sei que a rapaziada moderna tem o attention span de uma crisálida, por isso aqui fica o resumo rápido, caso não tenham pachorra de ler/ver/ouvir as palavras sábias que partilhei nos três links anteriores:
1) Durante largas décadas os aquários públicos (e zoos) foram efectivamente locais deploráveis, que se destinavam unicamente a exibir animais selvagens a um público que não tinha outra forma de os ver. As condições em que eram mantidos foram, na triste maioria dos casos, deploráveis. Num ponto estamos TODOS de acordo: esse modelo meramente expositivo é obsceno e deve ser proibido. Ponto.
2) Felizmente que esta visão tem imperado e os aquários / zoos modernos estão muito distantes dessa visão perturbadora de outros tempos, motivo pelo qual uma das principais queixas do público de zoos modernos é, frequentemente, “Não conseguimos ver bicho nenhum!” precisamente porque os espaços em que são mantidos são tão próximos do ambiente real que a bicharada se perde na vastidão do habitat artificial que foi criado para a acolher.
3) Pensemos agora que aproximadamente 100 milhões de tubarões são chacinados anualmente para abastecer a indústria das barbatanas (para a famosa “sopa de barbatana de tubarão”), já para não falar dos desgraçados que são mortos acidentalmente por barcos de pesca comercial que se focam em espadartes, atuns ou outras espécies.
4) Agora puxemos pelos miolos: será que retirar dez (ou 20, pronto) indivíduos do mar e colocá-los num espaço GIGANTE, com excelentes condições e ambiente 100% controlado, livre de poluição/pesca/etc., com cuidados veterinários 24/7 e alimentação adequada…
5) …para ajudarem a passar uma mensagem que chega a centenas de milhões de pessoas que depois vão votar em dirigentes que TRAVEM a chacina que ocorre no mar, para além de pressionarem esses mesmos dirigentes a abolirem esse calvário…
6) …faz sentido? Na minha cabeça, definitivamente sim. Uma dúzia de animais mantidos em excelentes condições para ajudarem a salvar largos milhões de organismos selvagens através de programas de educação e conservação, faz sentido.
Termino referindo que os zoos e aquários são, actualmente, os principais contribuidores para programas de conservação in situ. Isso quer dizer que são quem mais dinheiro injecta no financiamento desses programas que visam proteger os orangotangos no Bornéu, rinocerontes e gorilas em África, tigres na Malásia e tantas – mas tantas – outras espécies seriamente ameaçadas.
Na minha cabeça isto faz sentido.
O que não faz sentido nenhum é exigir a libertação de todos os animais em cativeiro, sem se fazer puto de ideia do que se está a falar.
Abração e um 2024 Magnífico!