Desodorizante de… cavala a Bombordo

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Ora cá vai mais uma bela história que irá colorir a sequela do ‘Tubarões Voadores’ e que envolve desodorizante de… cavala.

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Esta próxima novela aconteceu no Oceanário, um ou dois anos depois da inauguração, quando a equipa do programa ‘Bombordo’ por lá andou em filmagens. Durante mais de um mês recolheram imagens sublimes, que deram origem ao episódio ‘Construir Oceanos’ e recomendo que o saquem do YouTube. Logo no início verão a portentosa passagem de um dos tubarões-touro (Carcharias taurus) do Tanque Central, que foi filmada por este vosso criado, uma vez que não era permitida a entrada a pessoas estranhas nos tanques do Oceanário, regra que, segundo entendo, ainda está em vigor. Inspirado pela gloriosa cena de abertura do ‘2001’, do saudoso Stanley Kubrick, na qual uma nave percorre o écran de forma aparentemente infindável, propus-me a copiar esse memorável efeito, filmando o ventre do bicho, desde a ponta do nariz até à ponta da cauda, esperando que a sua lentidão proporcionasse uns bons dez – ou mais – segundos de deleite cinematográfico.

O problema, contudo, é que o diabo dos tubarões não são as bestas assassinas que o público julga – ou julgava, durante tempos menos esclarecidos. Muito pelo contrário, se um operador de câmara entrar no Tanque Central do Oceanário – ou mesmo no mar – é certo e sabido que a estranheza do momento, longe de provocar curiosidade nos animais, vai é afugentá-los de susto. Sabendo perfeitamente que a probabilidade de ter um tubarão-touro roçar calmamente a minha lente – ou melhor, da RTP2 – era remota, percebi que tinha de tomar medidas drásticas para sacar o meu plano Kubrickiano, pelo que fui à cozinha, no piso da quarentena.

Enquanto os meus colegas preparavam as refeições dos milhares de animais à nossa guarda, surripiei umas lulas e umas cavalas, que prontamente esmaguei nas mãos, antes de as enfiar dentro do fato de mergulho, besuntando-me abundantemente com a molhenga viscosa que me escorria pela pele abaixo. Temendo que esta abundância de isco não fosse necessária, ainda enfiei mais umas lulas e filetes de pescada dentro dos bolsos do colete que segurava a garrafa de mergulho. O nosso já partido Nuno Antunes, meu buddy de mergulho nesse dia, ria que nem um perdido durante a operação de engodamento cutâneo, com aquela cara que dizia “Não tens mesmo juízo nenhum.”

De câmara em riste e devidamente besuntado das iguarias favoritas dos nossos amigos dentuços, recebi algumas instruções da equipa do Bombordo sentado na beira da plataforma do Tanque Central. Indiquei que estava apto a operar o difícil botão encarnado marcado com ‘REC’ e lá me deixei submergir, notando de imediato um enorme interesse na minha pessoa por parte dos mais de mil habitantes do glorioso tanque com mais de cinco mil metros cúbicos de água salgada.

Conhecendo intimamente as rotas que o tubarão-touro maior – baptizado como ‘Obélix’ – percorria, deitei-me no fundo do tanque, enquanto ia espreitando o bicho pelo canto do olho. À medida que se aproximava, ia fazendo pequenas correcções à minha posição, minimizando a respiração e controlando muito bem a expulsão de bolhas de ar, porque não queria afugentar o objecto que me iria garantir um óscar no próximo festival de documentários dedicados à vida marinha. À medida que o malvado se aproximava, ainda saquei de uma última arma secreta, que constituía uma curta vara de PVC que segurava na mão esquerda e tinha um belo polvo – com oito tentáculos ondulantes – na ponta. Pois claro que outros habitantes do tanque se sentiram atraídos pelo belo petisco, que tive de esconder debaixo do rabo mesmo até ao último segundo, em que o focinho do Obélix já se aproximava da ponta das minhas barbatanas amarelas Poseidon, que ainda hoje tenho e uso.

‘Rec’ carregado e a piscar – vermelho – no monitor da câmara que segurava com a mão direita, acenei suavemente a vara polvinácea com a mão esquerda, naturalmente mantendo-a fora do campo de visão da filmagem. E assim foi que o imponente animal sul-africano nadou languidamente sobre mim, enquanto a câmara captava a nobreza do ventre com que foi, lentamente, preenchendo o campo do écran, desde a ponta dos dentes, até ao último resquício da cauda desaparecer.

E é assim, meus queridos amigos, que se faz história de cinema.

Poderão apreciar o produto acabado no vídeo abaixo, que foi retirado do dito episódio do Bombordo.

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Quando quiserem uma palestra que use histórias como esta – e centenas de outras – para ilustrar alguns pontos de vista relacionados com a importância de sermos criativos a ultrapassar obstáculos, já sabem quem contactar.


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