48 vs. 52 e o fim da civilização como a conhecemos

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Aqui fica mais um artigo publicado no duaslinhas.pt e poderão encontrar muitos outros no meu linktr.ee/jpcorreia.pt.

Foi com profundo horror que, no passado dia 6 de novembro, vi a vitória de Donald Trump, que ganhou 52 vs. 48% (se fizerem as contas aos votos na imagem).

Não tardaram as mensagens nas redes sociais a apregoar “Foi a vitória do povo e a derrota do wokismo”, o que me levou a desamigar uma quantidade impressionante de amigos facebookianos e pensar na tristeza que é a tendência que vivemos nestes tempos desafiantes.

Para os que já estão a apontar o dedo ao facto de ter desamigado pessoas e a invocar os desafios da “cancel culture”,respondo já: se vivesse em Berlim em 1937 não seria leitor da propaganda do Goebbels, nem iria a eventos repletos de camisas negras. Ora, se faria os possíveis por me afastar dum bando de facínoras alucinados, porque diabo os convidaria a entrarem-me pelos olhos dentro, quase um século depois, através de uma máquina que foi inventada para falarmos uns com os outros, mas que se tornou num pernicioso veículo de divulgação de mentiras?

Depois há todo o fenómeno “woke”, que é apontado por estas almas como uma das grandes fontes dos problemas da humanidade, provavelmente porque não são muito entendedores da língua inglesa e resistem à utilização do órgão que lhes ocupa o espaço entre as orelhas.

Ser woke significa, literalmente, estar “acordado”.

Aqui vão alguns exemplos de pessoas woke no passado:

Essas pessoas repararam que muitos trabalhadores morriam que nem tordos porque os patrões não se preocupavam com as suas condições de trabalho, pelo que começaram a lutar pela melhoria dessas condições. Um escândalo, bem sei.

As pessoas woke aboliram a escravidão, outro conceito deveras radical na altura em que surgiu e que levou um país a uma guerra civil.

As pessoas woke conseguiram que as mulheres votassem e andam há mais de um século a tentar garantir-lhes condições idênticas na sociedade, outro pecado capital para muitos.

As pessoas woke preocupam-se com as alterações climáticas e com o futuro do planeta, um ponto sobre o qual escrevo há tanto tempo que já pareço um disco riscado. Mas continuarei a escrever enquanto persistirem mentes incapazes de entender que 150 anos de movimentação de carbono do chão para a atmosfera, fruto de mais de mil e quinhentos milhões de motores de combustão a trabalharem 24/7, estão a encher essa mesma atmosfera finíssima que rodeia o nosso planeta minúsculo.

(O botão “Artigos Publicados” no meu linktr.ee/jpcorreia.pt tem lá muito material didáctico sobre esta temática)

Mas as pessoas woke também se preocupam com os direitos dos animais, embora mais de metade da população só os veja como comida e/ou companheiros de passeio durante as pandemias.

Um pequeno parêntesis, porque anda aí uma anedota muito divertida e que vem a propósito: um vegano e um vegetariano atiram-se pela janela, para ver quem chega primeiro ao chão. Quem ganha? A sociedade.

Hilariante, não é? Faço já aqui a declaração de interesses de que não sou (ainda) vegetariano, porque adoro demasiado entrecosto, secretos e chouriços. Mas, por um lado, entendo os benefícios para o planeta de comermos (muito) menos carne e, por outro, o facto de esta anedota ser tão popular demonstrar o ponto que estou a tentar estabelecer: a sociedade está farta das pessoas woke.

As mesmas pessoas woke que também se preocupam com os indivíduos transgénero e cheira-me que este foi um dos pontos que fez a balança tombar para o Dark Side. Porque, de repente, aceitar que uma mulher tenha nascido com um cérebro masculino, ou vice-versa, tornou-se um conceito demasiado bizarro para discutir a céu aberto, pelo que é mais interessante discutir se estas almas podem, ou não, entrar nas casas de banho que lhes apetece, ou não. Correndo o risco de ser básico, atrevo-me a sugerir que esse dilema se resolve recorrendo a características biológicas elementares: se tem uma pilinha, vai à casa de banho dos meninos; se tem um pipi, vai à das meninas; se anda baralhadoª das ideias, só tem de olhar para o baixo ventre e ver em que casa de banho se poderá aliviar do tofu ingerido.

Estão a ver como até eu, o rei do wokismo, já cedi à tentação de brincar com as confusões transgénero? A isso se deve o meu background em ciências naturais porque, apesar de entender que um cérebro pode estar wired de forma diferente do equipamento reprodutivo – porque, sim, isso acontece e está sobejamente documentado – há aspectos práticos que têm de ser observados quando se vive em sociedade.

Mas o ponto principal que tentava demonstrar é que, apesar destas bizarrices biológicas e/ou comportamentais, anda para aí muita alma que, se pudesse, atava esta tropa transgénero toda a um poste e assava castanhas com eles. E andam aí outros tantos que até agradecem (secretamente) a existência destes outliers,que nem expressão estatística têm, porque lhes facilitam a vida quando tentam enxovalhar as ideias de todos, ameaçando os papás com os perigos terríveis que espreitam as suas crias que, agora, têm de lidar com estas bizarrices na escola.

A sociedade move-se lentamente, mas lá se vai movendo. Levámos uns 5 milénios para abolir a escravatura, outros tantos para abolir a pena de morte – prática ainda corrente em muitas culturas – e só há uns 150 anos é que começámos a ter algum tipo de preocupação com a igualdade de género, uma meta ainda longe de ser atingida. Mas esta movimentação foi sempre fruto de pessoas que estavam acordadas para o facto de que algo estava mal no reino da Dinamarca e precisava de ser mudado.

Essas pessoas lutaram contra os velhos do Restelo, forçaram a mudança, e foi assim que fomos duma sociedade em que uma elite minoritária regulava a maioria com chicote (literalmente) para uma sociedade em que o chicote, pelo menos, já não é literal. Todo este esforço foi conseguido porque a maioria o exigia.

Até ao dia 6 de novembro, em que a dita maioria que quer avançar não conseguiu chegar aos 50%. Ficámo-nos pelos 48 e os outros 52 preferiam ir numa direcção diferente, colocando um negacionista das alterações climáticas, vigarista e misógino-assumido na cadeira de poder mais alta do mundo ocidental.

Como pai de uma criança de 5 anos, assisti com horror à contagem dos votos e à chegada do resultado que eu, e os outros 48%, temíamos. Mas o mais assustador não é o que se passa no outro lado do Atlântico. O mais assustador é que, olhando à nossa volta, percebemos que a proporção 48/52 não é só across the pond. Ela é idêntica aqui, talvez até mais assustadora, como temos vindo a observar no crescimento dos movimentos populistas, que predam as cabeças mais simples e dizem-lhes o que estas querem ouvir, que foi rigorosamente a estratégia usada do outro lado.

Houve uma altura em que estávamos à beira de entender as vantagens de se comer menos carne, mesmo que fôssemos apreciadores de chanfana, como eu. Mas a proporção 48/52 mostra-nos que, agora, no cancioneiro piadístico o único vegetariano bom é um vegetariano morto.

O mais triste de tudo é que, quem faz piadolas dessas, não entende que não são só os vegetarianos e veganos que se vão esborrachar no chão. Somos todos.

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