
Cosmética da treta
Quem segue estas linhas que vou escrevendo sabe que têm uma tónica predominantemente positiva.
Desta vez, contudo, tenho de fazer uma pequena incursão no reino da resmunguice e que foi motivada por este poster que vi no Instituto Espanhol de Oceanografia em Murcia, que visitei no início de agosto.
Estes amigos celebraram 100 anos em 2014 e adivinhem quantas vezes mudaram de nome?
Zero.
Pensemos no National Marine Fisheries Service norte-americano, e tantas outras instituições nesta nação que está prestes a celebrar 250 anos, e verão esta constância nos nomes das instituições de referência.
Agora pensemos no nosso Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA), que era Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (IIPM) em 1997, quando por lá andei. Aliás, quando lá entrei em 1994 ainda era o Instituto Português de Investigação Marítima (IPIMAR), mas vi as letras de bronze na fachada serem arrancadas e substituídas pelo nome anterior, embora se tivesse mantido o acrónimo IPIMAR, que já não batia certo com o novo nome do instituto (IIPM), numa decisão que sempre aplaudi pela originalidade.
Pouco depois viria a ser Instituto Nacional de Investigação Agrária e das Pescas (com acrónimo INIAP que batia certo, menos mau) mas, antes disto tudo, já tinha sido o famoso INIP, Instituto Nacional de Investigação das Pescas. E, claro, não esqueçamos a Estação de Biologia Marítima de Lisboa, inaugurada em 1919 e a tetravó destas alterações todas.
Consideremos agora que estas mudanças não ocorreram apenas neste centro dedicado ao estudo dos oceanos, atmosfera e agricultura. Estas alterações já afectaram a conservação da natureza, florestas e, se eu tivesse tempo e pachorra para levar esta investigação a fundo, seguramente encontraria muitas mais substituições desta natureza que, pasme-se, normalmente ocorrem um ou dois anos depois de um novo governo tomar posse. Porque, convenhamos, que melhor maneira de “mostrar trabalho” do que extinguir uma instituição e criar outra? Note-se, contudo, que o “miolo” continua o mesmo e as funções de quem se arrasta lá dentro também não mudam. E digo-o com conhecimento de causa.
Pensemos agora nos MILHÕES de euros gastos em cartões de visita novos, domínio de website e emails novos, letras de bronze na fachada novas, autocolantes nos veículos e portas do edifício novos e provavelmente mais um mar de modificações cosméticas que nem me ocorrem. Tudo isto para fazer de conta que se melhorou seja o que for, quando não se melhorou coisa nenhuma. Mudou-se a pintura, mas o interior encerra as mesmas dores de cabeça de sempre.
Não pretendo ter resposta para este – nem outros – problema(s) mas, como gestor de uma microempresa que irá celebrar duas décadas de existência num par de anos, sei muito bem o que fazer se os nossos resultados alguma vez estiverem aquém da expectativa. Posso garantir que não será mudar de nome nem de logotipo, mas é provável que os elementos da equipa levem uma mexidela.
Talvez esteja na hora de cutucar um dos temas mais tabus na história dos terrenos pantanosos e que é a segurança inabalável dos empregos no Estado. Porque, no dia em que um funcionário do Estado souber que o seu lugar depende da sua competência, talvez o seu empregador não precise de estar sempre a mudar o nome na fachada do edifício para fazer de conta que o interior se tornou mais competente.
Por falar em “competência”, e já que tirei o dia para resmungar, termino com a mais flagrante demonstração do fraquíssimo poder intelectual por trás de quem toma estas decisões.
Fomos a um hospital para uma consulta do meu filho de 5 anos e fui surpreendido com a impossibilidade do seu cartão de cidadão me permitir fazer a admissão automática, como sucedeu nas dezenas de vezes anteriores. Irritado, tirei uma senha para ir ao balcão central, onde me explicaram que os cartões de cidadão novos (como o do petiz, que foi renovado recentemente) já não funcionam nestes terminais.
Dou-vos um segundo para respirarem e absorverem a magnitude do que acabaram de ler.
Portugal é um dos países mais modernos do mundo neste domínio, com ATMs que permitem uma multitude de funções e cartão do cidadão que permite igualmente dezenas de operações.
Mas uma mente iluminada decidiu alterá-los e, agora, os novos já não são compatíveis com os milhares de terminais de leitura espalhados pelo país.
A minha questão: terá essa mente iluminada um lugar na administração da empresa que vende os novos cartões.
Ou terá lugar no conselho de administração da empresa que vende os terminais de leitura?
Ou, quiçá, nas duas?
Às tantas é a mesma empresa que vendeu as dezenas de altifalantes instalados no túnel de Benfica no IC17, que dir-se-ia estar equipado para dar aulas de zumba aos automobilistas que por lá passam.
Fica aqui o repto para quem tem a incumbência de investigar estas coisas, porque eu tenho cavalas e fanecas para apanhar e exportar. Resta saber o nome da instituição que me passará a licença para o fazer mas também é indiferente porque eu sei onde estão e a pessoa que o faz é a mesma há 20 anos.