Dizer que isto é tudo cíclico é estúpido

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Aqui fica mais um texto que o Observador teve a amabilidade de publicar aqui.

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Se seguem e intervêm em discussões de cariz ambiental, particularmente as focadas em alterações climáticas, então já estão carecas de ouvir o argumento clássico dos negacionistas: “Estas alterações são cíclicas”. Por outras palavras, os fenómenos climáticos que observamos são de natureza cíclica e, por conseguinte, não influenciáveis pela actividade humana. Só que esse raciocínio é estúpido e passo a explicar porquê.

É um facto que há ciclos milenares na concentração de dióxido de carbono na atmosfera e faz sentido que estes tenham condicionado a temperatura do nosso planeta, como se pode observar em qualquer gráfico que demonstre estes valores ao longo dos últimos séculos. Análises de amostras de gelo assim o demonstram nos últimos 400 mil anos e até o céptico mais empedernido terá de concordar com estes resultados, que são facilmente replicáveis em qualquer laboratório com equipamento mediano.

Facto interessante, estes valores são determinados por métodos químicos – relativamente simples, acrescente-se – e têm eco no nível do mar, cujos resultados históricos nos são dados pela geologia. Estas três variáveis conspiram então de forma perfeita, numa cadeia de causa e consequência tão robusta que nem o presidente dos Estados Unidos teria coragem de a negar: Mais dióxido de carbono provoca a subida da temperatura que, por sua vez, provoca a subida do nível do mar. Espero que, até este ponto, estejamos todos de acordo.

A discussão torna-se acesa quando se puxa a temática “actividade humana” para a conversa, porque a maioria das pessoas não está familiarizada com o conceito de “Exclusividade mútua”. Ou seja, lá porque existem ciclos naturais, isso não significa que a actividade humana não esteja a actuar também e em paralelo. Por outras palavras, os fenómenos não são mutuamente exclusivos.

Não tem de ser um ou outro, eles podem ambos coexistir, que é rigorosamente o que está a acontecer.

O tema torna-se particularmente interessante quando observamos os valores da concentração de dióxido de carbono na atmosfera nos últimos 70 anos, que correspondem à recta final do período de desenvolvimento mais intenso da nossa espécie, durante o qual a população quadruplicou de 2 para 8 mil milhões em apenas um século.

Estes valores sofreram um aumento abrupto – e contínuo – a partir da Revolução Industrial, que corresponde ao momento em que os seres humanos começaram a mover carbono do chão para a atmosfera. Pensemos nisto um segundo: durante centenas de milhões de anos tivemos carbono enterrado no nosso planeta no estado líquido, sólido ou gasoso, fruto da actuação de tempo e pressão sobre cadáveres de organismos (animais e vegetais) que outrora viveram.

Esse carbono permaneceu intocado durante centenas de milhões de anos, até a necessidade de alimentar máquinas o tivesse começado a remover, primeiro na forma sólida (carvão), depois líquida (petróleo) e, mais recentemente, gasosa (gás natural).

E onde é que esse carbono todo vai parar, depois de movimentar os nossos milhares de milhões de motores e aquecer as nossas casas? Na atmosfera, pois claro.

A tal atmosfera que padece de fenómenos naturais cíclicos, mas que recebe uma injecção crescente de carbono desde a Revolução Industrial, que só tem vindo a intensificar-se à medida que países outrora em vias de desenvolvimento agora se desenvolvem a um ritmo ainda mais frenético do que o ritmo a que o nosso mundo ocidental esgravatou para fora do buraco em que vivia.

Chegamos assim ao momento presente, repleto de indicadores óbvios de que algo está podre no reino da Dinamarca, mas as vozes cépticas persistem na sua teimosia de chamar “natural” a tudo isto. Tentemos então o exercício – porventura vão – de elucidar essas mentes:

O gráfico que mostra os ditos ciclos ilustra de forma clara como a concentração de dióxido de carbono nunca ultrapassou os históricos 280 ppm (partes por milhão) que foram medidos nos últimos 400 mil anos, até ao final do século passado. Desde então já ultrapassámos o máximo histórico repetidas vezes, ultrapassando-se a fasquia dos 50% da média milenar em 2024 e actualmente estamos acima dos 425 ppm.

Foi à conta desta subida vertiginosa que o gráfico anterior foi baptizado de “Taco de Hóquei”, precisamente porque as várias oscilações rondavam um valor médio e, na recta final, o valor dispara, como se fosse a base de um taco de hóquei.

Agora pensemos na recente depressão Martinho, que virou alguns aviões do aeródromo de Tires de cabeça para baixo, que é algo, tanto quanto sei, inédito. Uma ou outra árvore derrubada em cima de um carro é algo que já todos tínhamos visto em Portugal, mas porventura nunca tínhamos visto tantas árvores em cima de tantos carros, o que provavelmente se deve ao simples facto de que normalmente não somos assolados por ventos que sopram com velocidades que ultrapassam os 3 dígitos por hora. Mas eles estão aí e vieram para ficar.

Los Angeles também já experimentou muitos incêndios, mas nenhum com a devastação do que lavrou pela cidade em janeiro, deixando milhares sem casa e um cenário de devastação digno de um filme do Roland Emmerich.

Os nuestros hermanos de València também já tiveram grandes chuvadas, mas nada que se assemelhasse ao dilúvio bíblico que se abateu sobre esta região da Catalunha no final de outubro, com blocos de granizo do tamanho de bolas de ténis e muitas pessoas a ficarem sem casa devido às inundações, incluindo amigos meus que trabalham no Oceanogràfic.

O Canadá e Austrália também têm incêndios devastadores todos os anos – tal como o nosso cantinho à beira-mar plantado – mas nada remotamente semelhante aos que experimentaram nas últimas épocas e creio que nenhum de nós se irá esquecer tão rápido das imagens dos koalas desesperados no meio das chamas ou das cidades canadianas inteiras que desapareceram à passagem das chamas imparáveis.

A zona central dos Estados Unidos também está habituada aos tornados, mas os mais recentes têm conseguido ultrapassar a fúria dos realizadores mais imaginativos de Hollywood.

Os habitantes da costa leste americana, bem como Açores e Golfo do México, também estão habituados aos furacões que fustigam estas áreas todos os anos, mas a minha empresa – sediada na ilha do Faial – nunca tinha levado uma paulada de 40 mil euros em danos, como nos aconteceu em outubro de 2019, quando o Lorenzo rebentou com uma porta reforçada com barras de aço inoxidável uns dias antes, quando nos preparávamos para a intempérie.

E a lista de fenómenos “fora dos ciclos naturais” poderia continuar ad nauseam, mas temo que os nossos amigos cépticos só entendam a gravidade do problema quando lhes cair um bloco de gelo do tamanho de uma toranja no cocuruto.

“Então e que podemos fazer para contrariar este tendência?”, perguntam-me com frequência. A resposta é tudo menos fácil, mas uma coisa é certa: temos de diminuir drasticamente a quantidade de dióxido de carbono, e outros gases de estufa, que enviamos para a atmosfera. Isso inclui menos motores a funcionar, menos carne nos pratos, menos objectos nos armários e na despensa, e estou plenamente consciente de que esta lista poderia facilmente ser substituída por uma sucessão de palavras como “impossível”, “jamais”, “deves ‘tar com sorte”, “espera sentado” e afins.

O que nos leva à última esperança da humanidade, que é a chegada de líderes – verdadeiramente dignos desse nome – que entendam a gravidade da situação e empurrem a nossa espécie na direcção de energias renováveis, motores movidos a hidrogénio, fusão fria e outras formas de energia limpas e inesgotáveis. O nosso conterrâneo Guterres lá vai tentando, enquanto Secretário-Geral da ONU, mas convenhamos que não está a inspirar as hostes ao ponto de vermos um shift decisivo nas mentalidades.

Se vamos ter esses ditos líderes salvadores já é mais duvidoso… A julgar pelos exemplos que nos chegam do outro lado do Atlântico, e mesmo aqui na Europa, dir-se-ia que não estamos com muita sorte, por isso o melhor mesmo é prepararmo-nos para os ventos fustigantes que viram coisas ao contrário, blocos de granizo que abrem cabeças e partem carros, tornados e incêndios que arrasam cidades inteiras e todo um leque de cenários inimagináveis que nos habituámos a ver nas telas dos cinemas, mas que vemos, agora, à nossa volta.

Como pai de uma criatura de 5 anos, dou por mim a tentar dar bons exemplos de cidadania e vivermos uma vida sustentável. Mas sejamos pragmáticos, o melhor que posso fazer por ele é ganhar o máximo de rendimento que conseguir e deixar-lhe um pé-de-meia que lhe permita multiplicá-lo e usar esses fundos para sobreviver. Porque, não tenhamos dúvidas, a nossa geração preocupa-se em amealhar o mais possível, mas a herança que estamos a deixar à próxima é uma de obrigatoriedade em aprenderem a sobreviver em circunstâncias cada vez mais duras.

Quem tiver os meios para se aquecer, arrefecer e/ou manter abrigado, sobreviverá. Quem não tiver esses meios, passará a fazer parte das estatísticas das vítimas das alterações climáticas. Seja lá qual for o nome que lhes puserem na certidão de óbito. Vendo bem as coisas, já o Charles Darwin tinha preconizado que, face às mudanças, não são os mais fortes que sobrevivem, mas sim os que melhor se adaptam. Às tantas, o que aí vem até pode nem ser assim tão mau. Uma purga aos nossos maus hábitos pode ser a receita de que precisamos para sobrevivermos como espécie. O tempo o dirá. O do relógio e o que está por cima da nossa cabeça.

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